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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Paixão numa noite de inverno/ Beijo encantado

 Venho hoje partilhar com vocês um texto que escrevi, se não me engano, em Outubro para um passatempo literário. Infelizmente não ganhei mas fiquei muito satisfeita com o resultado final deste texto. O passatempo consistia em escrever algo em que figurassem as expressões "beijo encantado" e "paixão numa noite de inverno. Espero que gostem tanto de o ler, como eu gostei de o escrever.

O tempo passava demasiado devagar. Cada segundo parecia uma hora, cada hora era transformada num dia e cada dia significava para mim a dor de esperar um ano. Recordava os momentos que tínhamos partilhado, recordava as palavras pronunciadas em sussurros, os murmúrios partilhados em confidência. Lembrava-me de tudo isto enquanto sentia a tua ausência, sentindo desvanecerem-se as memórias que tinha de nós. Relembrava, sentindo o coração apertado, as tuas promessas, promessas que, no decorrer das estações, tentei deixar para trás, mas que permaneceram, quais fantasmas, a pairar sobre todo o meu espírito. A noite foi a minha confidente. Revelei-lhe a ela, que sempre foi nossa testemunha, que presenciou o desabrochar dos nossos sentimentos, todos os meus receios e todas as minhas esperanças. Porque essas, essas chamas que se recusavam a apagar, permaneceram com o meu ser até ao fim. A noite sempre nos protegeu e presenteou-nos com a sua discrição. Permitiu que vivêssemos o que nos foi negado em demasia, o que a sociedade não aceitava e condenava. No entanto foi o sol que nos apresentou. Lembro-me com nitidez a primeira vez que nos vimos, que te vi. Recordo aquele esplendoroso dia de Inverno, aquela que se tornou a nossa estação. Caminhavas altivo, arrogante, com ar de caçador que procura a sua presa. Envergavas uma comprida capa de viagem, de um negro profundo que contrastava com o teu cabelo dourado. Os teus olhos espelhavam o límpido azul do céu e recaíram sobre os meus. E eu senti-me a ser impelida na tua direcção, como se um íman me puxasse para ti. Depois sorriste e inclinaste a cabeça numa educada saudação. Deslumbraste-me. E foi nesse momento que percebi o que era o destino, o que era aquilo de que me tinham falado tantas vezes e que eu sempre tinha renegado, desacreditado. Era tão senhora do meu nariz, tinha tantas certezas sobre o meu futuro e tu deitaste a baixo o que eu, ingenuamente, julgara ser o meu propósito. Um olhar e um sorriso foi tudo o que bastou para que o meu coração, que as pessoas erradamente diziam ser frio e duro como pedra, batesse descompassadamente e destrancasse uma das muitas fechaduras que acabarias por descobrir e abrir. Nesse inverno foste meu e eu pertenci-te de corpo e alma. Cada beijo que trocámos era um beijo encantado, uma magia que o nosso amor me levou a descobrir. As noites de Inverno velaram pela nossa paixão Mas esse Inverno foi tudo quanto tivemos. Porque quando a Primavera chegou tu partiste. Vivemos a nossa última noite de Inverno e quando a aurora rompeu o negrume, tu já tinhas partido, deixando-me apenas a última flor do Inverno, um lírio da paz, e um bilhete escrito com a tua elegante caligrafia dizendo: Voltarei, espera por mim.
E eu esperei. A chama da esperança recusou-se a desaparecer, ainda que tenha oscilado muitas vezes. À Primavera sucedeu-se o Verão e o Outono veio depois, dando lugar a um Inverno rigoroso. Foi então que, estando sentada no vão da varanda, acompanhada apenas pela noite, vi um reflexo dourado mover-se no negro da floresta que observava. Tinhas regressado. Nada parecia ter mudado. A tua arrogância masculina permanecia cativante e mantia ainda o meu coração cativo. Detinhas ainda, como pude constatar pelo palpitar que me assolou, a chave que derretia a minha muralha de gelo. Desci para a floresta e vieste ao meu encontro. Devolveste-me a magia com um beijo encantado, recordaste-me a nossa paixão numa noite de Inverno. Colocaste um lírio da paz no meu cabelo negro e deste-me a mão num gesto tão natural que o rio do tempo parecia não ter corrido. Pediste-me, com a tua voz enevoada, que fosse contigo, que fossemos embora, deixando tudo o que não era importante para trás. Pediste-me, como um cavalheiro, perdão pela demora, e não me fizeste falsas promessas, cumprindo as que me tinhas feito. Permanecias e continuaste o homem honroso e honesto que eu lembrava e pelo qual ansiava desesperadamente. Por isso não hesitei. A minha mão, que estava já segura e confortável na tua, estava disposta a seguir-te para todo o lado. O meu coração falava por mim. As palavras não eram necessárias para o momento que partilhávamos. Haveria tempo para elas, as palavras, as explicações. Naquele momento eu percebi a verdadeira felicidade. Foi isso que a tua ausência me ensinou. Aprendi a não tomar as coisas como garantidas pois, no tempo do bater de asas de um colibri, julguei ter perdido tudo, para agora recuperar esse mesmo tudo que me complementava.
Estamos juntos no presente, longe da opressão da sociedade, estamos juntos no passado, onde as memórias deixaram a sua marca, e sei que estaremos juntos no futuro. Teremos sempre e para sempre o lírio da paz que ainda guardo no meu livro preferido e, quando isso já não mais tiver para dar, teremos sempre as noites de Inverno.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Maldição

Viste-me quando mais ninguém olhou para mim. Olhaste de relance quando passaste por mim em frente ao palácio para onde te dirigias. Transmitias a confiança da realeza, aquele porte altivo e de sangue azul, mas olhaste para baixo, olhaste para onde estavam os pobres, os desgraçados que vivem um dia de cada vez tentando juntar os fragmentos daquilo que foram. Olhaste para o sítio onde me encontrava, com a minha irmã nos braços, e os teus olhos negros apoderaram-se dos meus. Tivemos, depois disso, dias felizes, dias em que ficámos a conhecer-nos e o que era atracção passou, gradualmente, a uma paixão abrasadora, a um amor inigualável. Não o fizeste de propósito, mas a partir desse dia fatídico, infeliz de tantas maneiras, marcaste o caminho que percorro. Condenaste a minha alma, o meu coração a deambular sozinho pelo mundo, dolorosamente só. Ao olhar para mim passaste-me parte da maldição que carregavas sobre os ombros. Acabaste por trazer a desgraça do meu ser e tudo porque, no tempo de uma batida do meu coração, o enfeitiçaste e ficaste deslumbrado. Não consigo entender que partida cruel pregou o destino ao juntar-nos na mesma rua empedrada, no mesmo dia chuvoso. A partir desse momento de magia poderosa, magia essa que aprendi a respeitar e que ainda hoje receio, ficámos ligados para a eternidade sem, no entanto, podermos estar realmente juntos. Tornávamo-nos imateriais quando estávamos perto, fantasmas incorpóreos que tentavam alcançar algo vezes sem conta nunca o conseguindo. É tão doloroso e solitário este fardo que partilhamos sem nunca partilhar realmente.
Não sabes como odeio amar-te, como odeio não poder estar contigo, ver-te mas nunca te poder tocar. São tantos os sentimentos que emergem de mim quando recordo aquele dia. Sinto ainda o bater desenfreado do coração que os teus olhos provocaram, sinto a atracção inexplicável que me atingiu qual rajada de vento de tempestade. Ao mesmo tempo sinto-me a desaparecer, a deixar-me cair aos poucos no vazio da solidão, da dor, do desespero. Já nem a minha irmã consegue consolar o rio que escorre do meu peito. É tão difícil acreditar ainda na tua palavra, porque tu prometeste que arranjarias maneira de quebrar a sombra que paira sobre nós, mas a esperança que no início tranquilizava o meu espírito desvanece um pouco mais a cada dia. Vai-se varrendo com o doloroso passar dos anos. Porque tu sabes que já vivemos mais do que o que devíamos, esta maldição que sobre nós recaiu permite-nos uma vida excruciantemente longa, uma vida, como antes referi, que apenas torna mais insuportável o que de si é já inconcebível. Quem sabe a morte não será a solução. A derradeira prova àquilo que o amor pode suportar. Imagino que quando isso acontecer, entraremos de mãos dadas, finalmente juntos, no paraíso, num lugar que será para sempre só nosso, onde poderemos por fim viver o que nos foi negado, viver finalmente! O fim será para nós o início, ou melhor, a continuação de algo que ficou em suspensão no tempo.

Bjs
Maff G.
(o texto acima apresentado é da minha autoria)